O Concerto
O grupo vocal Cantus Firmus tem como objetivo o aprofundamento no estudo da interpretação da música vocal do período que abrange a Idade Média até o final do Renascimento. Com enfoque na construção de uma sonoridade própria, o grupo busca, através da pesquisa em documentos da época e gravações de outros grupos especializados, a aproximação com o modo de fazer música nas cortes, igrejas, palácios ou mesmo nas casas de família. Trata-se de um intenso estudo do acontecimento social que a música representava e de suas particularidades na prática cotidiana.
O Cantus Firmus trabalha com cópias de instrumentos utilizados na época (um alaúde Pré-Barroco de 1644 e flautas Ganassi, de 1550). O estudo da sonoridade, das articulações e da retórica do discurso musical de cada composição procura enaltecer aspectos genuínos da escrita antiga. As tessituras são modificadas para favorecer a precisão da afinação proposta pelo período e as vozes procuram um ajuste mais fino com a estética da época. O trabalho com os instrumentos segue a mesma linha de entendimento e deles são extraídas as práticas interpretativas que auxiliam na compreensão do discurso. A intenção do Cantus Firmus é mostrar que a Idade Média e o Renascimento foram períodos extremamente ricos em sonoridade e beleza e que muitas pessoas ainda se emocionarão ao apreciar o requinte das composições.
Os concertos propõem uma íntima ligação entre o novo e o velho, o resgate de sonoridades longínquas unidas às características estéticas e de imaginário do homem contemporâneo. É através de concertos didáticos que o grupo Cantus Firmus se posiciona como conjunto interessado em pesquisar a fundo o repertório da chamada ‘música antiga’, para permitir ao público uma apreciação com o máximo de autenticidade e sinceridade das peças vocais e instrumentais escritas naqueles períodos.
A Prática da Música Antiga
No final do século XIX realizou-se a primeira audição de uma Paixão de J.S. Bach (1685-1750), comandada pelo compositor Felix Mendelssohn (1809-1847). Pode-se dizer que este foi o primeiro passo na direção de recuperar a música composta no período Barroco, no Renascimento e na Idade Média. No século XX, muitas outras iniciativas desta natureza ocorreram e o advento da gravação possibilitou registrar a execução de obras desconhecidas de grande parte do público, trazendo uma nova luz sobre estes períodos.
Assim, houve a necessidade de pesquisa sobre manuscritos da época, que falavam da música como acontecimento social e do caráter de cada composição: pomposa, doce, alegre ou introspectiva. Abriu-se desta maneira, para apresentação nas salas de concerto, um vasto período da história da música que até então estava fora das programações usuais. Nesse momento, apresentou-se o papel fundamental o musicólogo, que busca recuperar partituras em bibliotecas ou mesmo em coleções particulares. Desta maneira, a prática da música antiga se estabeleceu como um resgate de sonoridades e afetos, com o intuito de manter viva a obra de compositores fundamentais na história da música ocidental.
Idade Média
O início da história da música ocidental, baseado nas primeiras partituras, fixa-se oficialmente no século VI, com o canto gregoriano ou cantochão – ”canto plano”. O papa Gregório I organizou uma série de cantos que deveriam ser executados em todas as igrejas cristãs, formando assim um primeiro repertório homogêneo na Europa. Essas músicas eram cantadas dentro das igrejas, sendo proibido qualquer outro instrumento que não a voz masculina. Já a música popular e profana era basicamente de tradição oral, também a uma voz, compreendendo danças, baladas e cantos de procissão.
A partir do século XI, começam os registros de peças profanas para mais de uma voz. Esse repertório tem grande influência da música oriental, devido às guerras e invasões e ao comércio entre árabes e europeus. No século XII, a música polifônica – peça para várias vozes – começou a ser cantada dentro das igrejas, sendo a catedral de Notre-Dame, em Paris, a principal escola de composição da época. Aparecem, no final da Idade Média, compositores de grande nome como Guillaume de Machaut.
Renascimento
Do século XV ao final do século XVI, a música européia teve grande desenvolvimento, assim como a literatura, as artes plásticas e a arquitetura. A canção polifônica era o principal gênero de composição, tendo atingido no Renascimento seu auge de complexidade.
Neste período, a música vocal profana e a música instrumental se emparelharam, em status, à música sacra. Surgiu a demanda por partituras escritas para serem tocadas ou cantadas por amadores em suas casas e nas cortes. A estrutura harmônica musical foi-se modificando e caracterizando, neste período, a mudança da fase modal para a tonal (que conhecemos hoje como sendo a tradicional sonoridade da ‘música clássica’).
Os compositores passaram a assinar suas obras, pois, na Idade Média, a maioria das peças era anônima. Entre os nomes mais populares do Renascimento, hoje, estão os franco-flamengos Josquin des Prez, Johannes Ockeghem e Guillaume Dufay, o inglês John Dowland e o italiano Giovanni Perluigi da Palestrina.
Barroco
O repertório do Cantus Firmus abrange o início deste período, quando a música se encontra no limiar entre o estilo de composição de madrigais polifônicos e o estilo de melodia acompanhada com harmonia que busca traduzir os sentimentos do texto. As mudanças desse período deram origem à ópera.
A técnica de contraponto de vozes, ou seja, vozes simultâneas com melodias diferentes, impedia a compreensão imediata da maior parte do texto cantado. Com a melodia acompanhada, a música passa a ser reafirmação ou comentário ao texto.
O início do Barroco também é marcado pelo uso expressivo de dissonâncias. O compositor-símbolo do limiar é o italiano Claudio Monteverdi, que compôs tanto madrigais quanto óperas.